Em 2015, durante as ocupações das escolas públicas de São Paulo, realizadas por estudantes secundaristas, o poeta, jornalista e educador André Gravatá se viu impactado por uma pergunta feita por uma das jovens: “o que você sugere para eu ler sobre educação?”. A resposta ao questionamento, gestada por quatro anos, acaba de ser materializada na publicação Cartas a jovens educadores/as, inspirada na obra Cartas a um jovem poeta, do poeta Rainer Maria Rilke.

Organizado por Gravatá e ilustrado pela designer Serena Labate, o livro reúne vinte e cinco cartas destinadas aos jovens, escritas por educadores de diversas partes do Brasil, Argentina e Colômbia. “Este livro surge da necessidade de provocar mais e mais jovens a se envolverem com a área da educação, por meio de vozes que apontam sentidos, encantamentos, fôlegos. É um livro que nasce da necessidade de aproximar diferentes perspectivas em diálogo, de afirmar: é hora de criar mais intimidade com o Brasil e com nossos vizinhos latino-americanos”, explica o jornalista.

E é sob o signo do diálogo que iniciamos, com essa postagem, a publicação semanal das cartas. Esperamos que os textos selecionados inspirem novos olhares e maneiras de agir no mundo. A primeira carta que compartilhamos foi escrita por Pilar Lacerda, Diretora da Fundação SM. Boa leitura!

Todootempo, por Serena Labate.

Por Pilar Lacerda

Querida educadora,

Fiquei emocionada quando soube da sua opção pelo magistério.

Vieram as memórias de como eu “me tornei” professora, quase por acaso, meio sem saber direito o que significava. Era agosto de 1976 (você nem tinha nascido), eu tinha 20 anos e estudava História. Estava sem trabalho e aceitei umas aulas de substituição de uma professora grávida. Era imatura, minha formação em pedagogia nem tinha começado, mas alguma coisa me chamou, me fez aceitar o convite. Os estudantes eram adolescentes cursando o que, à época, se chamava “Segundo Grau”, hoje Ensino Médio. Eram estudantes de um bairro de classe média baixa da cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Quando o ano letivo se encerrou, quatro meses depois, eu era paraninfa de todas as turmas, estava encantada com aquele encontro na sala de aula. Vivíamos numa ditadura militar, quando livros, práticas, músicas, manifestações, tudo era vigiado, proibido, perigoso, passível de repressão.

Mas o que eu senti e me fez optar pelo magistério, naquele segundo semestre de 1976, foi entender que ser professora era poder abrir janelas para aqueles jovens. Abrir muitas janelas, infinitas paisagens, e eles escolheriam as que quisessem. Porque o conhecimento liberta, a cultura nos une e tudo isto acontece dentro da escola.

Fui demitida dessa primeira escola em março de 1980, resultado das primeiras greves de professores (e de operários da construção civil, de metalúrgicos, de motoristas) após o golpe militar de1964. De lá para cá, trabalhei em escolas privadas e, a partir de 1986, somente na rede pública.

E por que conto tudo isso? Porque passados 43 anos, eu sinto como foi acertada aquela escolha profissional de ser educadora, que não se limita à sala de aula, pois fui professora, vice-diretora, e dirigi o centro de formação da rede municipal a que eu pertencia. Ainda fui secretária de educação municipal e depois fui para o MEC, coordenar a educação básica do país. Essa caminhada foi formadora. Comecei como uma professora conteudista, transmissivista e fui me formando, até me transformar na educadora que sou hoje.

Quando escrevo esta carta para uma jovem que está se tornando educadora, penso em pontos importantes que contribuíram para minha formação:

  1. Participar de grupos de estudo na escola em que trabalhava;
  2. Entender que formação continuada significa, principalmente, refletir sobre a prática;
  3. Reconhecer quando tinha dificuldades e contar com um grupo de colegas que me apoiavam e não me julgavam antes de saber das minhas dificuldades;
  4. Conhecer meus alunos e alunas, mas conhecer mesmo: onde moram? Com quem? Quem cuida deles? Trabalham? Trabalho doméstico ou externo? Como é o ambiente da casa de cada um?
  5. Entender as dificuldades da nossa profissão como inerentes a ela, ou seja, barulho, conflitos, choros, risadas, tudo isso faz parte do ambiente que mestres e mestras enfrentarão. Quanto mais você estudar, refletir e trabalhar em grupo, mais capacidade terá de entender que aquilo tudo faz parte da sua profissão, do seu ambiente de trabalho.

Você está escolhendo uma profissão em que lidará com pessoas todo o tempo, e precisará aliar seu saber acadêmico à delicadeza, afetividade, curiosidade.

O ofício de mestra tem um significado especial: garantir que as novas gerações conheçam, aprendam e deem sentido a tudo aquilo que fizeram os que chegaram antes. E será nesse caminho do aprender a ser, a saber e a fazer que as crianças e adolescentes entenderão o mundo e se entenderão no mundo. Eles trilharão este caminho da sabedoria, da compreensão, da criatividade muito bem acompanhados, por você!

Pilar Lacerda

Graduou-se em História, na Universidade Federal de Minas Gerais. Atuou como professora de história, secretária municipal de educação da prefeitura de Belo Horizonte, presidente nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretária de educação básica do Ministério da Educação de 2007 a 2012. Atualmente é diretora da Fundação SM Brasil.

*Ilustrações de Serena Labate.