Crianças e adolescentes confinados: instruções de uso

01 abril 2020

Durante o período de confinamento imposto pela epidemia da Covid-19, para que desenvolvam sua personalidade e suas habilidades, as crianças e os adolescentes precisam se sentir seguros, expressar-se, desenvolver sua autonomia, socializar, aprender, exercitar-se, entre outras atividades.

Como podemos, como pais, satisfazer as necessidades básicas das crianças e dos adolescentes? Este artigo procura dar algumas dicas, com orientações tanto para quem mora em casas espaçosas, quanto para quem mora em apartamentos pequenos, com diferentes níveis de disponibilidade para fazer-lhes companhia.

1. A necessidade de segurança

As crianças, pequenas e grandes, precisam se sentir seguras para crescerem e se desenvolverem. As crianças, sem maturidade e experiência para compreender os eventos que ocorrem, são altamente influenciadas pela reação das pessoas que as cercam. O mais reconfortante para elas é ter os pais ao seu lado. A força da união é a maneira mais eficaz de fazer com que se sintam seguras e ajudá-las a vencer a ansiedade. Para proporcionar a sensação de segurança de que as crianças menores precisam, é importante que elas consigam controlar sua própria ansiedade. Algumas podem estar preocupadas com o futuro, com as férias escolares ou com as provas.

Qualquer que seja a idade, a melhor maneira de ajudar as crianças a superar seus medos é convidando-as a expressá-los. Evitar o assunto as deixaria mais preocupadas. Sua ansiedade aumenta consideravelmente quando elas não entendem a confusão emocional que as cerca ou as situações pelas quais estão passando.

2. A necessidade de expressão

Expressão não verbal

Quanto menor a criança, mais difícil é para ela traduzir seus sentimentos e pensamentos em palavras. Por exemplo, quando as crianças temem uma situação, elas podem ter dificuldade em falar sobre o assunto ou mesmo se recusar a discuti-lo por medo de serem dominadas por seus sentimentos. E, mesmo quando as crianças têm essa capacidade, elas raramente se comunicam de forma espontânea e aberta sobre seus problemas, emoções etc.

Meninos e meninas podem traduzir o que estão sentindo “indiretamente” por meio de desenhos, pinturas, bricolagem, canto, música, dança, poesia, escrita, teatro, ou fantoches. Para ajudá-los, os adultos precisam ser sensíveis a essa comunicação “indireta” e adaptar a sua abordagem com eles.

É importante que as crianças possam se expressar sobre o que está acontecendo durante este período de reclusão. No entanto, é fundamental evitar aumentar a ansiedade delas procurando sondar, de forma contínua, sua experiência em relação à epidemia e ao distanciamento.

Meios verbais de expressão

Dos seis aos sete anos, as crianças começam a colocar palavras em seus sentimentos. Para incentivar essa expressão, os pais podem sugerir uma mesa redonda no final do dia para a qual todos, crianças e adultos, são convidados. Cada membro da família evoca e expressa um momento “bom” e um momento “ruim” do dia.

Com os adolescentes, é importante que os pais reservem um tempo para discutir e ampliar o debate. A epidemia atual oferece uma oportunidade para abordar as principais questões sociais. A importância das relações sociais, o altruísmo, a solidariedade, a saúde, o consumo excessivo, a poluição e o futuro do planeta são alguns dos tópicos que podem ser discutidos.

3. A necessidade de uma rotina diária

Ter uma rotina diária, como levantar, comer e deitar em horários regulares, dedicar tempo a trabalhos escolares, relaxamento, tarefas e atividades físicas, ajuda as crianças a se adaptarem à situação porque contribui para criar uma sensação de continuidade e segurança:

  • A rotina precisa ser reinventada nesta situação peculiar.
  • Por exemplo, pode-se permitir que a criança acorde um pouco mais tarde, especialmente se ela costuma acordar muito cedo para ir à escola.
  • Da mesma forma, a hora das refeições e a hora de ir dormir podem mudar um pouco.
  • As crianças podem ficar de chinelos, mas devem se vestir assim que acordarem; passar o dia todo de pijama deve ser proibido.
  • Os pais também devem incentivar seus filhos a cuidar de sua higiene pessoal. Alguns adolescentes evitam tomar banho, esquecem de escovar os dentes ou não usam roupas limpas quando não estão fora de casa. Ao existir através dos olhos dos outros, eles se descuidam de sua aparência porque não precisam mais exercer seu poder de sedução.
  • O confinamento pode ser uma oportunidade de cozinhar com a família e descobrir novas receitas.
  • O estresse e o tédio relacionados ao confinamento, bem como o acesso permanente a alimentos, são propícios para lanches entre as refeições.

A organização dos dias e da semana deve ser adaptada à idade das crianças, à personalidade delas e à realidade da situação. Vale ressaltar que um planejamento rígido provavelmente será pouco realista e não será respeitado, e poderá rapidamente passar a ser mais um fator de desgaste em uma situação que já é estressante. Os adolescentes, que são mais independentes, geralmente querem gerenciar seus próprios horários, e a interferência dos pais pode se converter em uma fonte de conflito.

4. A necessidade de atenção

As crianças, mais do que os adolescentes, precisam da atenção constante de seus pais. Cuidar de uma criança e atender às suas necessidades não significa estar completamente à sua disposição e ceder a todos os seus caprichos. É importante entender que os adultos também têm necessidades. Os pais podem explicar que as medidas de confinamento os obrigam a trabalhar em casa e que precisam de tempo para fazer seu trabalho. É aconselhável destacar os comportamentos positivos da criança, por exemplo, quando ela brinca sozinha ou assiste calmamente a um desenho animado ou quando guarda seus brinquedos. Quando recebe atenção por se comportar corretamente, a criança gradualmente aprende a conseguir o que deseja, ou seja, atenção, agindo de forma positiva, e não quando está agitada ou agressiva. Os adolescentes precisam menos da atenção dos adultos do que as crianças, mas são sensíveis quando os pais mostram uma curiosidade sincera e sem julgamento sobre suas atividades, interesses e visão de mundo. O confinamento pode oferecer um espaço de reunião propício para trocas. No entanto, os adultos devem, a todo custo, evitar pressionar os jovens a conversar.

5. A necessidade de autonomia

Se por um lado as crianças pequenas desfrutam da companhia constante de seus pais, as portas fechadas em razão do confinamento podem ser uma fonte de angústia para os adolescentes. Quando a criança entra na adolescência, ela questiona e até rejeita os planos, ambições e sonhos que seus pais criaram para ela, muitas vezes com veemência. Ela persegue seus próprios ideais e não mais obedece sistematicamente às exigências que lhe são impostas. Ela precisa se individualizar e se fortalecer, e isso exige distanciamento de seus pais. Portanto, o confinamento vai em sentido contrário às necessidades específicas do seu desenvolvimento. Nessa situação, a dificuldade não é ficar enclausurado, mas ter que lidar de forma permanente com os membros de sua família.

Os pais devem, tanto quanto possível, respeitar sua necessidade de privacidade. Quando surge um conflito, o jovem se tranca em seu quarto, grita e bate portas, ou sai de casa e vai se descontrair na academia ou com seus amigos. A restrição de movimento imposta pelo distanciamento social reduz suas possibilidades de descontração e sua maneira habitual de gerenciar conflitos. Como resultado, quando fica tenso, o adolescente explode.

Essa agressividade costuma ser resultado de uma carga alta de emoção que seu cérebro imaturo não consegue regular. Ao reagirem com calma, os adultos podem evitar uma escalada de possíveis conflitos. Eles devem esperar até que a pressão diminua para retomar o diálogo ou sugerir alguma atividade (como uma aula de ginástica online, por exemplo). Se as relações já eram tensas antes do isolamento, sendo rígidos e autoritários, os pais inevitavelmente entrarão em confronto. A comunicação corre o risco de ser completamente interrompida, e podem ocorrer atos violentos. Em caso de conflito extremo, é melhor recuar para manter um clima familiar respirável.

6. Necessidades de contato social

Enquanto as crianças pequenas curtem passar mais tempo com seus pais, o confinamento costuma ser mais incômodo para as crianças maiores e os adolescentes, que precisam mais do contato social com os amigos. Na medida do possível, o vínculo com os colegas e amigos deve ser mantido, seja por telefone, videoconferências ou e-mail.

Inclusive de modo espontâneo, os adolescentes compensam parcialmente a necessidade de contato usando as redes sociais, pois a privação de encontros com os colegas da escola e os amigos de lazer e, para quem namora, a impossibilidade de ver seu par podem ser fonte de sofrimento e de profunda angústia.

O adolescente passa a se divertir com seus amigos, confia neles, busca conforto neles, não mais em seus pais. O grupo de colegas se torna sua principal referência social. Na medida do possível, o tempo de conexão nas redes sociais deveria ser limitado. No entanto, durante um período de reclusão, os pais precisam estar cientes da importância da necessidade dos seus filhos de se conectarem com os amigos via celular ou computador. Eles terão que ser flexíveis quanto ao tempo de tela das crianças e mais ainda com relação aos adolescentes.

7. A necessidade de atividade

Para que possam desenvolver sua personalidade e suas habilidades, crianças e adolescentes precisam ser incentivados quase diariamente a usar seus sentidos (ver, ouvir, tocar, sentir), suas habilidades motoras (motricidade), habilidades de aprendizagem, resolução de problemas e habilidades de comunicação. Eles precisam ser capazes de aprender, brincar, relaxar e se exercitar.

8. Educação escolar

Para crianças e adolescentes, é importante manter a atividade educacional. A educação escolar dá a eles a estrutura e os estímulos (novos aprendizados) de que eles precisam.

Sempre que possível, os pais devem ter o cuidado de manter o ritmo escolar, mas sem perder a flexibilidade. Crianças e adolescentes trabalham melhor em condições favoráveis e se tornam ineficazes em situações de cansaço e estresse prolongados. Portanto, é necessário ajustar o planejamento das tarefas escolares à realidade da estressante situação de confinamento. Começar as aulas por volta das 9h é ideal para os jovens e as crianças maiores. Para os menores, um horário preciso pode ser útil. No entanto, os pais devem ser realistas na estimativa do tempo de estudo e da capacidade de manter seus filhos concentrados. Para os adolescentes, a organização do tempo é ditada principalmente pela programação do curso on-line e pelo trabalho a ser feito, que é passado pela escola.

Sempre que possível, os pais devem incentivar seus filhos a estudar o conteúdo ensinado. Se não tiverem as habilidades necessárias para supervisioná-los nas matérias ensinadas, poderão incentivá-los a fazer os trabalhos e deveres de casa.

Para muitas famílias, a hora do dever é um momento difícil. Em tempos de confinamento, quando os pais têm mais controle sobre os trabalhos escolares de seus filhos, as relações podem rapidamente se tornar conflitantes. Quando o atrito fica muito intenso, é melhor passar o bastão para o cônjuge ou um irmão ou irmã. É essencial evitar a escalada do conflito com os adolescentes, caso contrário, a vida familiar pode rapidamente virar um inferno.

Para a maioria das crianças, é uma ilusão acreditar que trabalharão tanto quanto na escola. Os professores não estão presentes para estimular sua motivação e fornecer as explicações de que precisam; as fontes de distração são muitas e variadas; os pais que supostamente deveriam supervisioná-los ficam mobilizados pelo teletrabalho, não conseguem explicar as matérias ensinadas ou não possuem didática. O principal é, acima de tudo, garantir a continuidade pedagógica e manter o hábito de um horário escolar, caso contrário, voltar às aulas será difícil, principalmente se o período de confinamento se prolongar. Um atraso muito longo no programa escolar pode desencorajar a criança a voltar para a escola e levar ao abandono escolar, inclusive gerar uma fobia escolar.

9. Atividades úteis

As crianças aprendem novas habilidades participando de atividades com os adultos e ajudando em tarefas como cozinhar, limpar, jardinagem, bricolagem, etc. Esse é o primeiro passo para aprender sobre as obrigações sociais e relacionamentos entre adultos.

Os pais podem fazer uma lista de todas as tarefas a serem executadas para garantir o funcionamento e o bem-estar da família. Cada membro, crianças e adultos, escolhe as tarefas que se compromete a cumprir e assina um contrato. As crianças e os jovens ficam mais propensos a honrar seus compromissos quando são envolvidos ativamente na tomada de decisões e na distribuição de tarefas.

10. Atividades divertidas, recreativas, físicas e esportivas

Além do trabalho escolar e das tarefas úteis, as crianças e os adolescentes precisam se divertir e se exercitar, pois as atividades recreativas, físicas e esportivas são um meio para as crianças:

  • Promoverem a saúde física e mental.
  • Desabafarem, relaxarem, se divertirem e expressarem sua espontaneidade.
  • Aprenderem e desenvolverem suas habilidades físicas (desenvolvimento corporal, motricidade, coordenação), mentais (pensamento lógico, antecipação, criatividade), emocionais (bem-estar) e sociais (respeito às regras, iniciativa, cooperação, compreensão mútua, troca, benevolência, negociação, autodisciplina). Melhorar suas habilidades por meio de atividades permite que as crianças obtenham autoestima e confiança.

Aqui estão alguns exemplos de atividades recreativas e divertidas:

  • Ler, ouvir histórias contadas por adultos ou em audiolivros, ouvir podcasts.
  • Cantar e tocar música.
  • Aprender novas canções ou contos.
  • Vestir-se, dramatizar, desenhar.
  • Pintar, desenhar e colorir, fazer colagens, pequenos consertos.
  • Aprender a costurar ou tricotar (roupas para bonecas e ursos de pelúcia).
  • Aprender a fazer panquecas, bolos.
  • Participar de jogos de tabuleiro em família.
  • Jogar videogames.
  • Assistir a documentários, filmes e séries.
  • Visitar museus virtualmente.

Nas circunstâncias particulares do confinamento, as atividades físicas e esportivas precisam ser reinventadas:

  • Caminhar ou correr perto de casa.
  • Dançar.
  • Engatinhar, pular, esgueirar-se entre cadeiras e poltronas, subir e descer escadas, fazer flexões, fazer pesos com garrafas de água cheias. Na Internet, você pode encontrar programas que oferecem atividades físicas que podem ser realizadas em casa.

Enquanto as crianças geralmente demonstram entusiasmo quando recebem uma atividade, o mesmo não ocorre com os adolescentes. A recepção da proposta feita pelos adultos depende de como ela é abordada. Dizer: “Você está preocupado com o futuro do planeta e quer comer menos carne. Nós poderíamos escolher uma receita vegetariana na Internet e prepará-la juntos, o que você acha?” tem mais chance de despertar o interesse do que: “Em vez de perder tempo com seu celular, venha me ajudar na cozinha”. “Você me disse que gostaria de conhecer o Egito nas férias. Encontrei um documentário sobre isso, quer que eu lhe mande o link?” será melhor recebido do que “Em vez de ficar olhando para essa porcaria desse telefone, é melhor você procurar obter um pouco de cultura”.

Durante o confinamento, é preciso combater o tédio vivido pelas crianças e adolescentes. Em pequenas doses, o tédio desenvolve a imaginação e estimula a criatividade, mas, quando é excessivo, pode gerar ansiedade.

11. Atividades de relaxamento 

É importante ajudar as crianças e os adolescentes a recuperar a tranquilidade, em momentos de estresse ou ansiedade. Inúmeras sessões de ioga, meditação, relaxamento e auto-hipnose estão disponíveis online gratuitamente. No caso de distúrbios generalizados, os pais devem entrar em contato com um psicólogo ou psicoterapeuta on-line.

Evelyne Josse é professora da Universidade de Lorena (Metz, na França), psicóloga, psicoterapeuta, psicotraumatologista e criadora do site www.resilience-psy.com. Esse artigo foi originalmente escrito em seu site: “Enfants et adolescents confinés, mode d’emploi“.